Vozes abafadas entre casais de amantes, cinturas entrelaçadas e cabeças unidas, andando vagarosos para frear o tempo e prolongar a tarde quente juntos. Toalhas ondulando no ar antes de serem deitadas sobre a grama, e sobre elas famílias com bolsas cheias de lanches e garrafas suadas de bebidas geladas. Haviam toalhas solitárias também, dançando agitadas antes de acomodarem leitores sorridentes, equilibrando livros contra o céu ou deitados de lado, apoiando a cabeça sobre a palma em taça.
Haveria uma apresentação de um grupo de jazz dentro de poucos minutos e fui me aproximando do palco, enquanto continuava a sentir ondas de vida vindo de todos os lados, a tocar e atravessar meu corpo.
Um personagem do escritor Richard Bach diz que os semelhantes se atraem, e logo encontrei um grande amigo, músico, amante das artes e fotógrafo. Conversava com o pessoal da organização do evento quando me reconheceu à distância, vindo ao meu encontro. Fazia muito tempo que não nos falávamos: "e aí Frank??!" Não é de nossa natureza, mas nos surpreendemos conversando sobre a estranheza do tempo, do medo aderido como uma nódoa pegajosa nas coisas cotidianas, e sobre variantes virais que lançam sortes com a morte.
A música começa e somos alcançados por uma gigantesca onda de vida. A Banda Gumbo executa os primeiros compassos.
As ondas produzidas nos fizeram avançar e retroceder, subir e descer como em um barco, levado pelos acordes em redemoinho de Herbie Hancock, em contraste com o meticuloso bordado do contrabaixo de Jaco Pastorius. Havia magia palpável no ar, que logo ficou explícita quando o bruxo Hermeto Pascoal foi evocado, para provocar mais daquelas ondas que já nos submergiam.
Músicos são seres maravilhosamente paradoxais. Quanto mais fundo penetram dentro da própria alma, mais fortemente alcançam os que estão de fora.
Quem vê introspecção... ouve ritmos e batidas contagiantes.
Um fluxo vibrante de ar projetado para fora... que nos carrega para dentro.
Movimentos complexos que parecem doer... mas são puro prazer.
As notas que realmente importam não estão escritas em 5 linhas... o músico as lê nos corpos do seu público.
Quando fecham seus olhos... abrem centenas de luminosas janelas.
Os instrumentos fascinam. Não é preciso conhecer sua mecânica, como manejá-los, sequer saber seus nomes. Mas manifestam um misterioso poder, cuja fonte se esconde nas origens do tempo.
Um sorriso, uma inquietação prazerosa toma conta de quem vai ouvir uma apresentação musical.
Deve ter sido nesse momento... um facho de luz brotou da embocadura do sax, enquanto este sustentava uma longa nota.
E algo atingiu as pessoas que estavam próximas do palco, animais, crianças, mães, pais e idosos. E foi rapidamente se espalhando... como um vírus.
Os primeiros sintomas observados mostraram gente rindo por debaixo de máscaras, enquanto outras convidavam estranhos para dançar.
Parece que primeiramente as crianças foram afetadas, transmitindo rapidamente o comportamento para os adultos próximos.
Foi também observado algo de difícil explicação. Pessoas com limitações impostas pela idade reagiram surpreendentemente.
Um senhor se levantou, transformando sua bengala em brinquedo, girando malabares, desenhando círculos rápidos no ar. Também socava o ar no ritmo das músicas, regendo e sendo regido pelo irresistível fenômeno.
O próprio ar se iluminou nas proximidades do palco, embora as sombras da noite já tivessem coberto o lago e seu entorno.
Muito provavelmente haverá um registro histórico, que dará conta de descrever o que aconteceu na tarde de 6 de março de 2022 ao público que esteve naquela apresentação, e foi exposto à variante Gumbo.
Para esta, felizmente não existe vacina.
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