terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Passos

O vento soprava vigorosamente sobre a face tostada pelo sol. Cada sulco de seu rosto queimava ao menor expressar de uma emoção, o que contribuia para que parecesse catatônico e endurecido, alheio ao fluir daquela tarde especialmente quente.

Folhas se juntavam em seu cabelo encaracolado e após um suspiro decidiu não espaná-las mais. Que se ajuntassem enfim! Sentado em um banco não propriamente limpo contemplava as botinas surradas. Dentro delas os pés formigavam, e aquela sensação se transformava em latejante dor que subia e se espalhava pelas pernas. Instintivamente massageava os joelhos em busca do alívio que não encontraria.
Nunca funcionava. Mesmo assim pressionava com mais violência os joelhos, sentindo-os estalar debaixo dos dedos.

Quanto havia andado nesta semana?
Tentava repassar a memória, avaliar a distância percorrida desde a última cidade, mas a única coisa que achou na lembrança foi o som cadenciado de seus passos na poeirenta estrada. Somente o som dos passos.
Na verdade, os lugares não tinham mais importância; após algum tempo deixaram de ter. Para o vagante o que conta são apenas os passos, o único testemunho de que continua vivo. O som da batida surda dos pés se confunde com as do coração. O pulsar é andar.

"O dia que esse som cessar é o dia em que estará morto, andarilho", forçou a garganta a pronunciar este arremedo de fala. Quando isso começou? Foi no dia em que perdera o emprego? No dia em que perdera o respeito da mulher, do filho? O dia em que perdera a honra? Não conseguia situar o dia primeiro de sua metamorfose. A crisálida que ocultou sua transformação reteve o passado, ao romper a casca e derrubar ao solo o andante que somente divisa o agora.

Levantou-se, trôpego, e avistou ao longe um caminho que se perdia em sua distância. Ergueu os pés cansados e reiniciou seu insistente caminhar.
Pois que mais resta ao homem que não é mais homem, senão ouvir seus passos e provar que ainda vive?


  

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