Deus, cai como chuva e embebe minha consciência
Com grandes gotas da graça, à molhar meu medo e covardia,
A dissolver e lavar a ressecada liturgia,
A desagregar os blocos bem assentados do saber
Em que a fé todo tempo subsistia.
Que essa água infiltrasse nas eternas frestas da esperança
E encharcasse a lei, rude e fria como a pele do granito
Áspero, gravado à profundos golpes de amargo cinzel
Que dita, poderoso, arrogante, sobre a lousa gélida da certeza,
Meu reverente compromisso com a tristeza.
Que a água esquecesse sua natureza, e quebrasse
O atônito monolito, indefeso em sua dureza
Desesperado, ao ver que a água, jorrando em beleza
Golpeia os veios da pedra, clivando a face da inscritura,
Surgindo nova iluminura, sem as marcas do que era.
Neste dia, no cerrar dos olhos e no expirar da dor
Trancada nos pulmões da alma, morreria o triste no breve sopro
E nasceria o feliz no fresco inspirar do novo vento
A rasgar o silêncio da morte, a invadir os nichos e varrer
As lascas da velha maldição, negrume morto pelo amanhecer.
Um novo homem haveria, eterno sonho e projeto
Que nunca chega a ser, pelo medo do primeiro morrer,
Pelo medo do primeiro querer, pelo medo do primeiro esquecer
Como é seu viver, e se entregar à este desvario
Como a folha do salgueiro, deslizando pelo rio seu curso inteiro.
Volto a clamar, Deus cai sobre mim então como raio
Desprovido da fluidez e suavidade da água, da sua calma.
Percorre com violência minhas estruturas, e transforma
Em afogueadas achas as duras pilastras da inércia, e do medo
De ser livre, fazendo cinza a moradia que me deprime.
Mesmo o apenado almeja a liberdade longe dos portões
Seja no pagar da culpa, seja no arriscar da fuga.
Por isso apressa, Deus, e faz brilhar na escuridão
A alegria, o desejo maior nesta escura cela.
Que ela vivesse por mim, e não que eu vivesse por ela.
terça-feira, 16 de fevereiro de 2021
A pena e a fuga
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