Em silêncio me assombro com a ausência da imensa abóboda fresca e escura, na qual me sentava acocorado ao fechar os olhos e mergulhar no espaço sem horizontes da mente. O pensamento era uma sinfonia de muitas vozes, imagens, cheiros do ontem e do agora, que vinham de todas as direções penetrando o corpo da consciência, invadindo as entranhas em direção ao infinito espaço, que existia como um ponto impossível, em algum lugar atrás dos olhos.
Vozes em várias línguas e sotaques, que por vezes emprestavam o movimento da minha língua, num ventriloquismo abafado dentro da boca. Esse espaço monumental de movimento, som, ecos e formas era um oceano negro sem fim, e ao mesmo tempo conhecido, seguro, ao qual se deixar perder era a forma natural de se encontrar. Abrir os olhos apenas projetava sobre a mente uma estreita nesga de luz, uma diminuta fresta por onde espiava o espaço próximo e sufocante do agora.
Mas algo veio e lentamente sugou a matéria impalpável do espaço, sorrateira e constante. Primeiro os ecos se abafaram, e o oceano denso foi se diluindo no nada. O corpo da consciência deixou de nadar, gravitou lento até encontrar o chão duro e irregular sob os pés nus. O negro profundo e refrescante foi ganhando uma luz cinzenta e baça, morna. As muitas vozes foram se distanciando, as imagens se esconderam nessa névoa seca e desagradável, e não puderam retornar, aprisionadas na bruma.
Paredes próximas mudas se materializaram, num espaço concêntrico ínfimo, invadido por uma brisa seca, quente e sem cheiro, que resseca as narinas. O infinito ponto atrás dos olhos se expandiu e tornou-se como uma redoma fina, embaçada, translúcida, cheia da mesma brisa aquecida, na qual cabem agora minha cabeça e torso. Fora o silêncio somente ouço minha voz, monótona, errática, como peças que caem irregulares de uma esteira, em uma fábrica com poucos trabalhadores. Agora o espaço da minha mente não difere muito mais da miserável fresta, que os olhos abertos podem revelar, o pobre agora.
O salteador que ergueu essas paredes levou meu infinito consigo, deixando em seu lugar o tremor que penetra insidioso minhas mãos, e endurece dia após dia minha face.