Erudição é da ordem das origens, de um tempo que ousou contrariar a linha sucessória dos amanheceres, que terminam consumidos pela escuridão, e que o frio mais acentuado da noite prenuncia o fulgor, devolvendo à terra horizontes e suas linhas. Certamente existe um preço a ser pago, quando se retira a principal substância de uma das dimensões. O tempo corrompido sangra gotas de imobilidade. Entretanto, antes de ser erudita é música.
É verdade que os momentos que precedem uma apresentação de música erudita tem uma certa aparência de ordem, disciplina.
Cellos repousam deitados, após diligentemente afinados, equilibrando arcos retesados e perfumadas crinas impregnadas de breu.
Braços alongados, perfilados, como um exército inspecionado por seus comandantes...
... e arsenal municiado. Mas são ilusões, não há armas nem exércitos, sequer fronteiras a serem defendidas. A música erudita é permeada pelo que envolve todas as expressões musicais: a magia. Escondida sob a superfície dos instrumentos, a realidade tentará captá-las, mas ela não se deixa ser descoberta facilmente. É preciso olhar de novo.
Sua materialidade se baseia, em parte, na percepção da dinâmica do impossível, inundando a realidade com substâncias, sons e movimentos que não deveriam existir, porém aí estão.